Pequim demonstrou que até os bens mais comuns podem ser usados como armas de disrupção econômica em massa nos jogos geopolíticos. Desta vez, a mira recai sobre a soja americana, e o impacto parece ser mais severo do que o previsto.
De janeiro a agosto de 2025, a China não comprou nenhuma carga de soja de grãos dos Estados Unidos. Em vez disso, o país fechou negócios recordes com Brasil, Argentina e, simbolicamente, com a Rússia. Como resultado, 22 milhões de toneladas de soja colhidas por agricultores americanos no último outono permanecem armazenadas, transformando-se de ativo em passivo. As taxas de armazenamento aumentam diariamente e os juros permanecem altos, criando uma tempestade perfeita para dores de cabeça comerciais.
Alguns especialistas afirmam que a China levou apenas cinco anos para “neutralizar a maior carta de negociação da América”. A Rússia, por sua vez, não perdeu tempo. A produção de soja no Extremo Oriente expandiu-se acentuadamente, e as exportações dobraram. “Está surgindo um corredor alimentar de desdolarização, com o dólar agora completamente fora do jogo”, destacam os analistas. A realidade atingiu duramente o presidente dos EUA, Donald Trump, e o impacto tem sido significativo.
Os esforços para resolver a situação parecem desesperados. Em 11 de agosto, após Trump instar a China a quadruplicar suas compras, os preços da soja nos EUA dispararam para a máxima de duas semanas. Esses movimentos lembram mais tentativas de ressuscitação do que crescimento saudável do mercado. A China, maior importadora de soja do mundo, ainda não pré-comprou soja da próxima colheita americana, claramente aproveitando sua posição de negociação mais forte.
A ironia é que esse cenário já se repetiu antes. Durante o primeiro mandato de Trump, a guerra comercial com a China já obrigou os produtores americanos de soja a sentir o impacto de perder seu maior cliente, quando Pequim se voltou para o Brasil. Como diz o ditado, a história se repete.
“Do lado de Pequim, houve diversos sinais de que a China está preparada para abrir mão da soja dos EUA em 2025”, disse Even Rogers Pay, analista agrícola da Trivium China. Os números falam por si: no ano passado, a China importou 22,13 milhões de toneladas de soja americana, comparado a 74,65 milhões de toneladas do Brasil.
“Estamos todos trabalhando para diversificar longe da China, mas a China é criticamente importante para nós”, admitiu Jim Sutter, CEO do US Soybean Export Council. Em linguagem diplomática, isso significa que perder o acesso à demanda chinesa resultaria em quedas acentuadas de receita e pressão de excesso de oferta para os produtores de soja dos EUA.
Resta saber se a soja se tornará o novo símbolo das guerras comerciais ou apenas mais um capítulo do melodrama econômico de longa data entre as superpotências.